João 10:1-16 – Explicação da Parábola do Bom Pastor
João 10 utiliza imagens de ovelhas, apriscos e pastores, pintando um retrato vívido das regiões rurais do Oriente. Embora essas figuras pareçam distantes do nosso contexto urbano e industrializado, suas lições permanecem profundamente relevantes.
Paulo, em sua exortação aos líderes espirituais da igreja de Éfeso (Atos 20:28), emprega uma imagem semelhante, destacando a conexão entre o pastor e suas ovelhas como um tema recorrente em toda a Bíblia.
As verdades associadas ao relacionamento entre o pastor e suas ovelhas revelam aspectos essenciais de quem Jesus é e do que Ele deseja para nós. Os símbolos apresentados neste capítulo nos ajudam a compreender a missão de Cristo e a nossa resposta a ela.
Uma abordagem prática para interpretar esse capítulo, que por vezes pode parecer complexo, é focar nas declarações principais que Jesus faz sobre Si mesmo. Essa organização permite captar de forma mais clara as lições espirituais e os desafios propostos por Ele.
Parábola do Bom pastor em João 10:1-16
“NA verdade, na verdade vos digo que aquele que não entra pela porta no curral das ovelhas, mas sobe por outra parte, é ladrão e salteador. Aquele, porém, que entra pela porta é o pastor das ovelhas. A este o porteiro abre, e as ovelhas ouvem a sua voz, e chama pelo nome às suas ovelhas, e as traz para fora. E, quando tira para fora as suas ovelhas, vai adiante delas, e as ovelhas o seguem, porque conhecem a sua voz. Mas de modo nenhum seguirão o estranho, antes fugirão dele, porque não conhecem a voz dos estranhos. Jesus disse-lhes esta parábola; mas eles não entenderam o que era que lhes dizia. Tornou, pois, Jesus a dizer-lhes: Em verdade, em verdade vos digo que eu sou a porta das ovelhas. Todos quantos vieram antes de mim são ladrões e salteadores; mas as ovelhas não os ouviram. Eu sou a porta; se alguém entrar por mim, salvar-se-á, e entrará, e sairá, e achará pastagens. O ladrão não vem senão a roubar, a matar, e a destruir; eu vim para que tenham vida, e a tenham com abundância. Eu sou o bom Pastor; o bom Pastor dá a sua vida pelas ovelhas. Mas o mercenário, e o que não é pastor, de quem não são as ovelhas, vê vir o lobo, e deixa as ovelhas, e foge; e o lobo as arrebata e dispersa as ovelhas. Ora, o mercenário foge, porque é mercenário, e não tem cuidado das ovelhas. Eu sou o bom Pastor, e conheço as minhas ovelhas, e das minhas sou conhecido. Assim como o Pai me conhece a mim, também eu conheço o Pai, e dou a minha vida pelas ovelhas. Ainda tenho outras ovelhas que não são deste aprisco; também me convém agregar estas, e elas ouvirão a minha voz, e haverá um rebanho e um Pastor.”
Explicação de João 10:1-16
O capítulo 10 do Evangelho de João surge como uma continuação do confronto entre Jesus e os líderes Judeus, ocorrido após a expulsão do mendigo da sinagoga (João 9). Após falar brevemente sobre luz e trevas, Jesus introduz a parábola do pastor e das ovelhas, uma imagem profundamente familiar para os Judeus. Na qual o pastor representava líderes espirituais e políticos, como reis e profetas.
Israel, por sua vez, era visto como o “rebanho de Deus” (Salmos 100:3). Esse contexto ganha maior profundidade à luz de passagens como Isaías 56:9-12, Jeremias 23:1-4, Ezequiel 34 e Zacarias 11.
Jesus inicia seu discurso com uma ilustração amplamente compreendida pelos ouvintes (João 10:1-6).
O aprisco, frequentemente feito de pedras e com uma única abertura, era o lugar onde o rebanho permanecia protegido durante a noite.
O pastor, ou um porteiro, literalmente deitava-se na entrada, tornando-se a “porta” do aprisco. Pela manhã, os pastores chamavam suas ovelhas, que reconheciam suas vozes, separando-se dos outros rebanhos que dividiam o mesmo espaço.
Jesus destaca que o verdadeiro pastor entra pela porta, sendo reconhecido pelo porteiro. Já os ladrões e salteadores, incapazes de usar a porta, precisavam escalar os muros para acessar o aprisco.
Contudo, as ovelhas não seguiam estranhos, pois apenas confiavam na voz do seu pastor. Essa metáfora revela a incapacidade dos falsos pastores de conduzir as ovelhas de forma legítima.
Apesar da familiaridade com a cena, os ouvintes não compreenderam plenamente o significado das palavras de Jesus. Ele então passa a explicar a ilustração de maneira mais direta (João 10:7-10), declarando-se a “Porta”.
Jesus é a Porta do aprisco que permite a saída das ovelhas do judaísmo para o rebanho de Deus. Quando os fariseus expulsaram o mendigo da sinagoga, Jesus o acolheu, conduzindo-o à comunhão com Deus.
Jesus não apenas conduz as ovelhas para fora do aprisco, mas também as integra em um único rebanho, representando a Igreja de Cristo. A ênfase recai sobre sua afirmação: “Eu sou a Porta”.
Ao entrar por Ele, as ovelhas encontram salvação (João 10:9) e liberdade para desfrutar os pastos verdejantes, uma vida de abundância espiritual.
Como a Porta, Jesus livra os pecadores da escravidão do pecado, conduzindo-os à segurança e à liberdade.
O verbo “salvar”, usado aqui, carrega o significado de resgatar do perigo e trazer para um lugar seguro, uma mensagem central para a missão de Cristo.
Infelizmente, muitos líderes religiosos de sua época, descritos como ladrões e salteadores, exploravam e abusavam do rebanho, diferentemente do verdadeiro Pastor, que cuida e ama suas ovelhas.
O contraste entre Jesus e os falsos pastores se torna ainda mais evidente. Enquanto os falsos líderes eram gananciosos e exploravam o povo (Lucas 16:14, Marcos 12:40), Jesus veio dar vida às ovelhas, protegê-las e conduzi-las à plenitude.
Por trás dos falsos pastores estava o ladrão, provavelmente uma referência a Satanás, cujo objetivo era roubar, matar e destruir.
Em contraste, Jesus assegura a vida abundante e a segurança eterna de suas ovelhas (João 10:10, João 10:27-29).
Jesus não apenas entregou sua vida por nós, mas continua a dar vida a cada dia. Essa seção do capítulo destaca a Porta, que leva à vida abundante em Cristo, preparando o terreno para a próxima declaração de Jesus sobre ser o Bom Pastor.
“Eu sou o Bom Pastor”
Esta é a quarta declaração “Eu Sou” que Jesus faz no Evangelho de João (Jo 6:35; 8:12; 10:9). Cada uma dessas afirmações apresenta um contraste marcante entre Jesus e os falsos líderes religiosos da época. Ele já havia descrito esses líderes como “ladrões e salteadores” e, agora, os chama de “mercenários”.
O termo grego traduzido como “bom” (καλός, kalós) significa “intrinsecamente bom, belo e amável”. Indica um ideal ou exemplo a ser seguido.
A bondade de Jesus é inerente à sua natureza divina. Assim, chamá-lo de “bom” é equivalente a reconhecê-lo como Deus (Mc 10:17-18).
O Ministério do Bom Pastor
1. Ele dá a vida pelas ovelhas (Jo 10:11-13)
No sistema sacrificial do Antigo Testamento, as ovelhas eram sacrificadas pelos pastores. Porém, Jesus inverte essa lógica: o Bom Pastor dá a vida pelas ovelhas.
Em cinco ocasiões neste sermão, Ele menciona a natureza sacrificial de sua morte (Jo 10:11, 15, 17, 18).
Jesus não morreu como mártir, mas como substituto, entregando-se voluntariamente por nós. Embora seu sacrifício seja suficiente para salvar o mundo inteiro, é eficaz apenas para aqueles que creem.
Ele também apresenta um contraste com os mercenários, que cuidam das ovelhas apenas por interesse financeiro. Diante do perigo, esses abandonam o rebanho, ao passo que o verdadeiro pastor protege as ovelhas, que lhe pertencem.
2. Ele conhece as ovelhas (Jo 10:14-15)
No Evangelho de João, o verbo “conhecer” vai além de uma compreensão intelectual; refere-se a um relacionamento íntimo entre Deus e seu povo (Jo 17:3).
Jesus conhece cada ovelha pelo nome (Jo 10:3). Ele demonstrou esse cuidado com Simão (Jo 1:42), Zaqueu (Lc 19:5) e Maria Madalena (Jo 20:16).
O Bom Pastor também conhece a natureza única de cada ovelha. Ele reconhece suas diferenças e cuida de cada uma de forma personalizada. Isso é evidente entre os discípulos, como Pedro, impulsivo, e Tomé, hesitante.
Além disso, Ele compreende nossas necessidades, mesmo quando nós não as entendemos.
O Salmo 23 reflete essa atenção ao descrever como o Pastor cuida de suas ovelhas em todos os momentos, desde os pastos tranquilos até os vales sombrios.
Comentários teológicos sobre o significado de João 10:1-16
Comentário Bíblico Matthew Henry
A passagem apresenta uma parábola tirada dos costumes orientais sobre o cuidado com ovelhas. Assim como as ovelhas dependem de seus pastores, os homens, como criaturas dependentes do Criador, são chamados de “ovelhas de seu pasto”.
A igreja de Deus é comparada a um aprisco, vulnerável a enganadores e perseguidores. Contudo, o grande Pastor conhece suas ovelhas, guarda-as por Sua providência, guia-as por meio de Seu Espírito e Palavra, e vai adiante delas, como faziam os pastores do Oriente, liderando suas ovelhas no caminho certo.
Os ministros, como servos de Cristo, têm o dever de atender às necessidades espirituais das ovelhas. Cristo, pelo seu Espírito, abre uma porta para elas. Suas ovelhas reconhecem sua voz, seguem-no e evitam estranhos que possam afastá-las da verdadeira fé.
Muitos que ouvem a palavra de Cristo não a entendem porque não estão dispostos a aceitá-la. No entanto, as Escrituras frequentemente se interpretam mutuamente, e o Espírito Santo revela o Senhor Jesus.
Ele é a Porta — uma metáfora que oferece à igreja segurança total contra os inimigos. Como a Porta, Cristo permite passagem e comunicação entre Deus e os homens. Entrar no rebanho exige passar por Ele, mediante a fé que reconhece seu papel como Mediador. Essa porta oferece promessas preciosas para aqueles que confiam no bom Pastor e permanecem sob seus cuidados.
Cristo é o Bom Pastor. Diferente daqueles que, embora não fossem ladrões, negligenciaram suas responsabilidades, deixando o rebanho vulnerável, Jesus demonstra cuidado perfeito. Ele não apenas conhece Suas ovelhas, mas também guarda-as com segurança.
Exposição de John Gill
Essas palavras foram dirigidas por Jesus aos escribas e fariseus, que se indignaram ao serem chamados de cegos espirituais. Eles haviam expulsado o homem que Jesus curou da cegueira por este ter falado em favor de Cristo, e ainda difamaram Jesus como impostor e enganador.
Arrogantemente, se autoproclamavam pastores do povo, guias e governantes do rebanho de Deus.
Essa atitude motivou a parábola em João 10, cujo objetivo foi revelar que Cristo é o verdadeiro e único Pastor, designado, chamado e enviado por Deus.
Ele é o Pastor legítimo das ovelhas, que o reconhecem, ouvem sua voz e o seguem.
Por outro lado, Jesus denuncia os escribas e fariseus como ladrões e salteadores, não como pastores.
Eles não foram enviados por Deus, nem entraram pela porta legítima do aprisco, mas tomaram para si uma posição que não lhes pertencia, usurpando uma autoridade espiritual que não lhes foi dada.
3 Lições que a parábola contada por Jesus em João 10:1-16 nos ensina
1. Jesus é o bom pastor que dá a vida por suas ovelhas
Jesus apresenta-se como o pastor que cuida e protege suas ovelhas com dedicação total, ao ponto de entregar Sua vida por elas. Essa atitude nos ensina sobre o amor sacrificial e incondicional de Cristo por aqueles que O seguem, contrastando com o comportamento dos mercenários, que não têm o mesmo compromisso com o bem-estar das ovelhas.
2. As ovelhas reconhecem a voz do verdadeiro pastor
Nesta parábola, Jesus destaca que suas ovelhas conhecem e seguem Sua voz. Essa lição enfatiza a importância do discernimento espiritual: aqueles que têm um relacionamento genuíno com Deus conseguem identificar e confiar na liderança de Cristo, mesmo em meio a vozes enganosas ou adversas.
3. A única porta para o aprisco é Jesus
Jesus também se apresenta como a porta, indicando que o acesso à salvação e ao rebanho de Deus ocorre unicamente e exclusivamente por meio Dele.
Essa lição reforça que não há outro caminho ou método válido para se achegar ao Pai senão através de Jesus, que é o único mediador e caminho para a vida eterna.
Essas lições revelam o caráter de Jesus como o pastor perfeito e destacam a relação única entre Ele e aqueles que O seguem.
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