3 Aspectos do Reino de Deus na Oração do “Pai Nosso”

Portanto, vós orareis assim:
Pai nosso, que estás nos céus,
santificado seja o teu nome;
venha o teu reino;
faça-se a tua vontade, assim na terra como no céu;
o pão nosso de cada dia dá-nos hoje;
e perdoa-nos as nossas dívidas,
assim como nós temos perdoado aos nossos devedores;
e não nos deixes cair em tentação;
mas livra-nos do mal
porque teu é o reino,o poder e a glória para sempre. Amém!”

Mateus 6:9–13

Desde crianças, somos apresentados à oração do “Pai Nosso”. Esta prece ensinada por Jesus é, certamente, uma das passagens mais memorizadas dos Evangelhos. Extraem-se muitos proveitos dessa oração, contudo este artigo se dedica a olhar o Reino de Deus a partir da análise do “Pai Nosso“.

O Reino de Deus

O Reino de Deus é a ação de Deus no mundo dos homens. Este é o tema principal do ministério de Jesus Cristo e o Seu ensino mais eloquente. Jesus é a manifestação plena do Reino de Deus.

Para vermos o Reino de Deus basta olharmos para Jesus e suas ações, seus encontros pessoais, suas reações, seus milagres e seus sermões. Ora, os sermões do Senhor, a exemplo do “Sermão da Montanha“, “Sermão dos Ais” (Mt 23) e outros, são sobre o Reino de Deus e dizem muito sobre isso. Outrossim, ele é expresso no “Pai Nosso”.

Contexto da oração do “Pai Nosso”

O Evangelho segundo Mateus coloca esta prece como parte do Sermão da Montanha, quando Jesus trata da prática da justiça do Reino de Deus no contexto das disciplinas espirituais: esmola, oração e jejum. Já Lucas, em seu relato do Evangelho, localiza esta oração como a resposta de Jesus ao rogo dos discípulos para que os ensinassem a orar (Lc 11.1-4).

Este é um padrão de oração pessoal dado pelo Senhor. Basicamente, pode ser estruturado em três partes: I) introdução, em que se evoca ao Senhor; II), preces, no caso, 6 pedidos; III) doxologia final com louvor.

Além disso, a oração do “Pai Nosso” é uma parcela importante para a reflexão do Reino de Deus. Aqui podemos extrair 3 características:

1) O Rei do Reino de Deus

Pai nosso, que estás nos céus…”

Mateus 6.9a

I.”Pai”

Em primeiro lugar, o Rei, o nome maior do Reino de Deus, é evocado como “Pai“. Isto é, Ele é o criador e autor de todas as coisas do Reino, bem como o mantenedor e dirigidor de tudo.

Essa verdade também eleva os súditos desse reinado à condição de filhos, pertencentes à família do Rei, ou seja, são mais que explorados, escravos ou subservientes. A majestade, o poder e a glória do Rei não nos impedem de nos relacionarmos com Ele.

II.”Nosso”

Em segundo lugar, esta oração substitui as partículas “eu”, “meu”, “mim” e “comigo” para “nós”, “nosso”, “nos” e “conosco”. O Rei é o “Pai Nosso“. No Reino de Deus, não há fronteiras ou barreiras divisoras e Seu governo é abrangente. A ação interventora de Deus é disponível a todos, e não apenas a uma raça ou classe.

Nesse reino, Deus é o lugar comum para promover unidade na diversidade. Além disso, esse mesmo princípio abrange a elementos ser humano a fora, como a natureza e os animais, afinal, “do Senhor é a terra e a sua plenitude” (Sl 24.1).

III.”que está nos céus”

Em terceiro lugar, o Rei é o “que está nos céus“. Em nossos dias, comumente, vê-se a tendência de baratear a paternidade de Deus.

Nesse sentido, muitos romantizam a primeira pessoa da Trindade e estendem a tolerância do Pai, como se aceitasse e admitisse qualquer coisa. O mesmo que Jesus chamou de “Pai”, também chamou de “Senhor” e de “aquele que me enviou”.

2) A Vinda do Reino de Deus

santificado seja o teu nome;
venha o teu reino;
faça-se a tua vontade, assim na terra como no céu”

Mateus 6:9b,10

Em segundo lugar, as primeiras três preces do “Pai Nosso” centraliza a vinda do Reino de Deus, quando diz “venha o teu reino”. Aqui, Jesus coloca o Reino de Deus como algo por vir. Nesse ponto, vale refletir a respeito do tempo do Reino de Deus.

O tempo do Reino de Deus

O Reino de Deus é apresentado em tempos diversos. Veja:

• “está próximo” (Mt 26.18);
• “é chegado” (Mt 12.28);
• “está entre vós” (Lc 17.21);
• “ainda não chegou” (Jo 7.6);
• “está cumprido” (Mc 1.15);
• “virá” (Mt 24.14).

Como podemos observar, o Reino de Deus é colocado em tempos presentes, como algo consumado e atuante, e tempos futuros, como algo por vir. Nesse sentido, há um arco de tensão que, na Teologia, é tratado como “agora” e “ainda não”. Ou seja, o Reino de Deus se revela “agora”, compelindo-nos à missão e à prática de fé, mas “ainda não” se manifestou em sua plenitude, o que nos traz esperança e alerta.

Destarte, o “Pai Nosso” mostra quando o Reino vem:

I.”Santificado seja teu nome”

Primeiramente, o Reino de Deus vem quando o Seu nome é santificado. Por “nome”, refere-se à natureza, ao carater e a pessoa de Deus (Veja Sl 9.10; Sl 20.7). Assim, o “Pai Nosso” nos ensina que o Reino de Deus se manifesta quando somos capazes de dar o único lugar que Deus merece ocupar.

O contrário disso é expressa na exclamação “Não há Deus!”, do Salmo 14.1. Mais do que um ateísmo teórico e filosófico, a ideia apresentada é de um ateísmo ético, prático. Ou seja, trata-se de pessoas que vivem como se o Senhor não existisse e concebem a natureza de Deus deslocada. Por essa razão, o Reino de Deus em muitas pessoas e lugares está inibido.

II. “Faça-se a tua vontade”

Em segundo lugar, quando fazem a vontade do Rei, o Seu Reino é revelado. Nesse sentido, a obediência é uma expressão de fé e confiança no governo de Deus. É um gesto de segurança Naquele que domina sobre tudo.

Na “Parábola dos Dois Filhos”, registrada em Mt 21.28-32, Jesus conta sobre um pai que remeteu aos seus dois filhos uma ordem: o primeiro confessou que não faria e, arrependido, realizou a vontade de seu pai; o segundo confessou que faria, porém não foi. Então, Jesus faz uma conclusão em que coloca a obediência à vontade do Pai acima da confissão:

Qual dos dois fez a vontade do pai?
Eles responderam:
— O primeiro.
Então Jesus disse:
— Em verdade lhes digo que os publicanos e as prostitutas estão entrando no Reino de Deus primeiro que vocês.”

Mt 21.31

O Reino de Deus se revela na realização da vontade do Pai, no atendimento do requerer do Rei, e não em nossa confissão política, religiosa, nem tampouco em nossa posição teológica a respeito de quaisquer assuntos.

3) O que o Reino de Deus traz

Por fim, a oração do “Pai Nosso”, em suas últimas preces, apresenta-nos as bençãos do Reino de Deus. A ação do Senhor no mundo traz aos homens:

I. Provisão

o pão nosso de cada dia dá-nos hoje”

Mt 6.11

Nesse Reino, o Rei se interessa pelo suprimento de Seu povo. O amparo das necessidades físicas e materiais dos homens é preposta às espirituais. Não que o governo de nosso Senhor seja materialista ou consumista, mas as demandas básicas do dia-a-dia da humanidade também estão na pauta de Deus.

Ele mesmo instou para quem não andássemos ansiosos pelo futuro desconhecido, pois o Reino de Deus aos que o buscassem acrescentaria o comer, o beber e o vestir (Mt 6.33). Ou seja, Deus contempla em sua ação no mundo aquilo que é imprescindível para dignidade e humanidade dos homens. Também, o Senhor declarou que aqueles que abrissem mão das coisas dessa vida por amor a Ele, receberia “cem vez tanto, já no presente” (Mc 10.30).

Isto é, o mesmo Deus que providenciou infalivelmente dia após dia o maná a fim de suster o povo de Israel durante a peregrinação no deserto, é o Rei que, ainda hoje, coloca em nossa mesa o pão de cada dia.

II. Perdão

perdoa-nos as nossas dívidas, assim como nós temos perdoado aos nossos devedores”

Mt 6.12

Dívida é todo descumprimento de um dever. Sendo assim, todos nós temos dívidas com os homens e, sobretudo, com Deus, pois ferimos nossas responbilidades com ambos constantemente.

Ora, “perdoar”, conforme a palavra que aparece nos originais do Novo Testamento, é “estender graça”, ou seja, ofertar ao próximo o imerecido favor recebido de Deus. Portanto, no Reino de Deus, a graça é a base do perdão, enquanto, no reino dos homens, o perdão é fundamentando em justiça cega e méritos calculados.

Além disso, no Reino de Deus, o perdão é primeiramente vertical (de Deus aos homens) e, em segundo lugar, horizontal (do homem ao seu próximo). E, em ambos os casos, a medida é a mesma. Podemos ver isso na expressão “assim como” que conecta o perdão vertical ao perdão horizontal e quer dizer “na mesma proporção”, “na mesma medida”.

O Reino de Deus, longe de ser feroz como os humanos, promete restauração e uma paz que desce do trono do Rei e percorre perenemente a todos os seus súditos.

III. Proteção

não nos deixes cair em tentação; mas livra-nos do mal”

Mateus 6.13

Durante as nossas vidas, somos colocados à prova. O próprio Espírito conduziu o Senhor Jesus ao deserto para o Diabo tentá-lo (Mt 4.1). A tentação é uma foça profunda o suficiente para que possamos nos afundar, ou, como diz a oração, “cair”. Nesses casos, nós (com nossas inclinações e desejos) somos adversários de nós mesmos.

Além disso, nas tentações da vida, o Maligno se apresenta e o mal nos cerca. À espera da ocasião para nos vencer, somos bombardeados até que haja um momento de fraqueza ou dúvida para, então, sermos reprovados diante de Deus.

Contudo, o “Pai Nosso” nos consola. Porque, seja do tombo em nossos desmantelos, seja dos golpes do Diabo, no Reino de Deus estamos protegidos. Há uma canção que diz:

Se satã vier tentar e teu coração falhar
Não te esqueças de que Deus vê tudo aqui
Ele sempre ajudara e seguro guiará
Teu cuidado leva a Deus e deixa ali”

“Deixa Ali”, de Matheus Iensen

Enfim, o “Pai Nosso” nos revela o Reino de Deus, onde a totalidade do homem se comunica à totalidade de Deus.